Logo da Copa 2014


Pois é... em nossa humilde opinião (nossa porque falo em meu nome - Mirela e em nome da Tatiane), eis abaixo mais uma vez a vergonha nacional retratada no logo apresentado pelo Brasil para a Copa de 2014. Como muitos devem estar acompanhando nos blogs, declarações de designers, Twitter, enfim, por toda a Web, essa também é a opinião da grande maioria de entendedores ou não do assunto.

À princípio declararam um estúdio francês como o autor dessa "maravilha" gráfica. Mas agora, conforme post "Reviravolta sobre a marca da nossa Copa", publicado no blog Design on the Rocks, entre outras declarações facilmente encontradas, ficamos sabendo que a autoria é brasileira, e pasmem: da agência África, uma das melhores e mais admiradas agências do país.

Dessa vez eles escorregaram... e feio!

Ainda espero ler pelo menos uma tentativa de explanação sobre os conceitos utilizados para a criação desse logo, especialmente sobre o porque do vermelho, da escolha de tipos e formas tão infantis e de aspecto inacabado. Mas, enquanto isso, segue abaixo um texto publicado pela ADG (Associação dos Designers Gráficos) onde João de Souza Leite, designer e professor, fala em nome do conselho de ética da associação e, em minha opinião, expressa de forma brilhante o que o Brasil apresenta e/ou deixa de apresentar ao mundo sobre si por meio de tal logo.

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Copa do Mundo 2014: oportunidade desperdiçada?

Um evento do porte de uma Copa do Mundo se qualifica como ocasião imperdível para a demonstração de aspectos significativos do país que o acolhe. Esses aspectos se alinham desde os resulta dos que a intensa exposição à mídia inter nacional pode proporcionar ao turismo a outros que podem eviden ciar uma capacidade nacional em empre ender ações complexas. A Copa do Mundo de 2014 pode tornar visível nossa perícia em projeto, implementação e reali zação.

Ao longo da história, eventos dessa natureza serviram muitas vezes para o esta be leci mento de paradigmas no uso de novas tecnologias na área da comu nicação. Além disto, por outras vezes serviram para alavancar certo desen vol vimento sócio-econô mico. Dependendo da atenção conferida a variados fatores, o resul tado dos investimentos econômicos podem se tornar ou não sustentáveis.
Assim, o desenho do símbolo para o evento reflete, ao menos, dois significados. Certamente significa o que está ali para significar, no caso, a edição da Copa do Mundo de 2014 organizada pela FIFA. Mas o símbolo é tam bém portador de um significado relativo ao próprio ato de desenhar. Ou seja, as características do de se nho traduzem, sempre, uma determinada atitude diante do ato de projetar, do ato de se fazer design.
Nessas ocasiões, experimentos podem ser realizados e, através deles, algo mais pode ser comunicado, e signifcar avanços para além dos limites do evento. Por exemplo, nas Olimpíadas de Sydney, Austrália, em 2000, elegeu-se a eco-susten tabilidade como um de seus atributos. Junto ao estádio onde grande parte das competições de atletismo se deu, as torres de iluminação eram auto-sus tentáveis. Isto mesmo, independiam de conexão a qualquer outra fonte de energia senão aquela proporcionada pela energia solar. Ali se demonstrou a possibilidade de imple mentar equipamentos urbanos dotados desse tipo de predicado. Outro exemplo: os sinais adotados pelo Japão, durante as Olimpíadas de 1964 – picto gramas que superavam a barreira linguística através do uso de ima gens signifi cativas acessíveis por qualquer cidadão do planeta – estabe le ce ram um parâ metro para toda a comunicação a ser implantada em situações as se me lhadas, de aeroportos a hotéis, de grandes espaços congressionais a estádios.
Por outro lado, esses projetos incorporam uma natureza estética, que não se caracteriza somente como criação de beleza. Nessas ocasiões, um dos fatos consolidados é a reiteração de traços de uma imagem nacional. O sinal desenha do pelo catalão Josep Trias para as Olimpíadas de Barcelona em 1992 ecoa a linguagem de Joan Miró e Pablo Picasso, reafirmando sua origem cultural. O sím bolo adotado pela Copa do Mundo realizada nos Estados Unidos em 1994 remete diretamente à bandeira americana.
Hoje, para a Copa do Mundo 2014, observa-se o que parece ser um indicativo em oposição a esse tipo de percepção. O símbolo apresentado à comunidade inter nacional na festa de encer ramen to da Copa Sul-Africana, escolhido por um grupo de celebridades, certamente atendeu à sua vontade coletiva em circunstância apa ren temente de sin formada. À comissão julgadora responsável por tal escolha não se pode, talvez nem se deva, imputar a responsabilidade por sua escolha, seja ela boa ou má, já que é plenamente compreensível que seus integrantes não tenham o hábito de refletir sobre tais assuntos – nunca lhes coube, não lhes cabe essa reflexão.
O símbolo da Copa do Mundo 2014 é um desenho tosco e inacabado. Seu conceito básico – múltiplas mãos que se apoderam da bola, signo máximo da competição, ou da taça, como afirmam seus autores – é passível de questio na mento, já que estes não deveriam constituir seu principal significado. É inaca bado pela inadequação do seu desenho, traçado que mal se equilibra entre o cômico e o irônico, assim como pelos desnecessários detalhes à apreensão da sua forma – pequenas sombras nas mãos chapadas refletem o mais básico dos artifí cios disponíveis em softwares gráficos de desenho. Da forma das letras, o que dizer? A tradição tipográfica ini ciada no século 15 indica que a forma da letra sempre é portadora de algum tipo de significado. No símbolo, só revela uma certa inabilidade na escrita, algo infantilizado. Ainda, a falta de uma referência de base não o sustenta verticalmente, mantendo-o em precário equilíbrio.
Ressalte-se aqui que esta não é uma reclamação de ordem corporativa. Não se trata de exigir a presença de designers, e so mente isto. Se trata, sim, de questio nar algo mais profundo. Se trata de exigir uma postura consistente de projeto, e, assim por dizer, de design no seu sentido mais am­plificado.
Frente aos problemas veiculados pela mídia durante as últimas semanas quanto aos projetos dos equipamentos necessários à realização do Mundial, constata-se uma grande dificul dade em lidar com a questão do projeto em toda a sua comple xidade. Pode-se chegar à conclusão que, juntamente com o símbolo escolhido, tudo será conduzido e orquestrado sem que seja usufruido o grau de oportu ni dade oferecido por essa fantástica situa ção de comuni cação.
Através do símbolo apresentado, estaremos expondo ao mundo uma tremenda inca paci dade de lidar com o projeto e com a criação de símbolos. Isto, no míni mo, não corresponde à realidade brasileira, cuja produção em design rever bera, pela qualidade que emana, pelos quatro cantos do planeta. A esta qualidade do design, somam-se a qualidade da engenharia e da arquitetura brasileiras.
Nos defrontamos, evidentemente, com uma séria questão de gestão.
Estamos no limiar, já que todos os prazos se atropelam, de demonstrar ao mundo que ainda somos juvenis, alegres, mas totalmente desprovidos da capacidade racio nal de projetar o futuro, característica central do design em seu melhor e mais amplo sentido. Nessa perspectiva, infelizmente, o sinal apresentado se ofe rece como a melhor síntese.

João de Souza Leite,

Designer, professor na ESDI/Uerj e na PUC-Rio,
pelo Conselho de Ética da Associação dos Designers Gráficos – ADG